quinta-feira, 5 de abril de 2007

As últimas da terra de Rio Negro & Solimões

São 03:00 da manhã e Franca está deserta. Depois de tocar, em um bar, para um público não muito disposto a bater palma, eu chego em casa cansado e feliz. Afinal, tocamos, foi bom e eu comi e bebi sem pagar.

Aperto o interfone. Seu Pedro, o porteiro, acorda. Olha para mim, olha para o lado e dorme de novo. Torno a tocar o interfone. Ele acorda de novo. Pergunta quem é, eu digo: "É o Eduardo, Seu Pedro..". Ele olha e torna a dormir.

Desisto, volto para a rua, acendo um cigarro e penso que, se isso fosse em São Paulo, Seu Pedro seria mais um desempregado ao amanhecer.

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São 04:30 da manhã e eu estou na festa mais badalada da cidade. 600 pessoas que aceitaram pagar 10 reais (seco) para ouvir música eletrônica por toda a noite e parte do dia. O lugar é maravilhoso, em meio a árvores e flores, a lua dá seu show e eu recorro aos meus fones quando a batida repetitiva embrulha minha mente e estômago.

Este lugar é uma chácara de minha avó. Por muitos anos ela morou ali. Foi ali que pela primeira vez pisei na grama e estranhei. Tinha cinco anos de idade. Hoje, é um restaurante- bar (idealizado e excelentemente conduzido por meu tio, Pedro Lemos) no melhor estilo 'chique e descolado', seja lá o que isso signifique.

São 04:30 e um garoto chega em mim e diz: "Tibé, você é o dono aqui! Dá uma ficha de cerveja pra mim." Eu digo não. Ele não entende e eu explico: "Engraçado como aqui dentro você me cumprimenta e sabe meu nome. Engraçado como lá fora não é assim". Ele, sem graça, não responde. Eu, surpreso com a minha coragem, pego uma ficha e dou a ele. Afinal, são quase cinco horas da manhã e, por R$ 2,50, desfaço uma inimizade.

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Essas festas são boas para ver como anda o pessoal daqui. Incrível a capacidade que os babacas têm, seja lá em qual cidade for, de continuarem babacas, né? Aqui também é assim. As meninas também pouco mudaram: muita produção nas roupas, cabelos e pouca criatividade com as frases e idéias. Cada uma achando que tá mais estilosa que a outra. Mas a minha posição é tão privilegiada nesta festa que de longe elas me parecem todas iguais.

Encontro uma ex-namorada que não via há muitos anos. Revejo alguns amigos que há meses não tinha notícias. Trabalho igual um camelo no caixa. Mas aqui é Franca, a chácara é nossa e eu posso dar uma volta.

Não me arrependo: os garçons do outro bar (o que eu toquei) estão levemente embriagados. Mas o pior é o gerente, que bebeu whisky a noite toda. No final, o copo dele só tinha água, ele dançava e apanhava para acender um cigarro, ele que nunca fumou.

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Se São Paulo é uma cidade única, como bem disse meu caro amigo Gus no seu belo texto, Franca também é. Só aqui porteiro não abre a porta e tudo bem. Só aqui moleque-mimado-filhinho de papai acha que vai ganhar uma cerveja lembrando meu nome. Só aqui o gerente enche a cara e dá cavalo de pau na saída da festa do seu chefe. Só aqui um café da manhã que incluía quatro mistos, um suco, dois leites com nescau, um pão com manteiga e um toddynho custa 13 reais.

Só aqui uma banda de bar consegue cantar "sunday morning rain is trowling (!!)" e ninguém se dá conta. Só aqui o juiz das nossas partidas de futebol de sábado bebe uma pinguinha antes de apitar. Só aqui tem um relógio de sol. E só aqui ninguém sabe como ele funciona.

Se o intuito deste blog era falar sobre São Paulo, me resolvi por subir na pedra mais alta e falar sobre Franca. Porque, ao falar daqui, logo falo daí. A cada vez que venho pra cá, repenso São Paulo e seus defeitos. Minha birra parece diminuir.

Deixo para os meus amigos a incumbência de lhes apresentar a nossa visão da cidade grande. Eles sabem fazer isso magistralmente, porque nasceram, cresceram e aprenderam boa parte do que sabem vivendo em meio ao caos, a desordem etc, etc, etc.

Quem sabe no próximo post eu tente escrever sobre a capital. Por enquanto, conto a vocês três passagens da minha semana aqui. Não são engraçadas como as do Gus, nem emotivas quanto as do Palmeiras, tampouco sérias quanto as do Átila.

São fragmentos de uma cidade que me ensinou, ela sim, tudo o que sei.

Eu sou Eduardo Lemos, o "Franca", estou em Franca, gosto de Franca e não estou com saudades de São Paulo.

10 comentários:

cinco em um disse...

Aprendi muito com esse post! Por exemplo, descobri que Franca é a terra do Rio Negro e Solimões, que nada têm a ver com os afluentes do Rio Amazonas, veja só! Aprendi também que se eu chegar no restaurante chique e descolado (??) do seu tio e te chamar de melhor amigo do mundo, você vai me tirar, mas ainda assim, vai me garantir uma biritinha da balada e obviamente que eu não era a única a cantar a música do Maroon 5 de maneira duvidosa e ter poucas pessoas se importando com isso.
E apesar de você não sentir saudades de São Paulo, volte. Mas só peço isso porque você é o editor do Diretriz, quem vai escrever o nome das pessoas errado comigo? Nem sou sua amiga mesmo...HAHA...brincadeira.

Beeeeijo*
Lette =]

Unknown disse...

Essa é uma das melhores crônicas sobre a cidade de Sâo Paulo que eu já vi.
Por que? Não pela retórica caipira - que por sinal eu pago um pau - mas pelo sentimento demonstrado que acredito que todo o paulistano tem ou já teve em um momento: de alguma forma não pertencer à essa cidade.Às vezes queremos apenas ser o nordestino, o mineiro, o Italiano, o empresário ou o pedreiro, o morador da periferia, e nos tornamos paulistanos exatamente por isso. Em São Paulo, onde moramos todos, todos somos excluídos.Gostar disso ou não vai de cada um.
Todo mundo é estrangeiro em Sâo Paulo.

Ju disse...

Depois de uma boa crônica, vejo um comentário digno de inveja de qualquer dos blogs q tenho entrado desde q isso passou a ser uma rotina na minha vida!!!
Parabéns Franca, sem "emoção" vc demonstrou mto bem oq sente, mas peço uma licencinha pra parabenizar o colega do comentário de cima!!!!
PARABÉNS ALFREDO!!!!!

Bjinhoooo

Clarisse disse...

Meu Deus, maior q o seu texto só os comentários msm...
Mando mto fran fran.
Sim, eu sabia q o Rio Negro e o Solimões eram daí...uhuuuu
E não esquece o convute que me fez senhor coronel!!!!
Bjaooo

Anônimo disse...

Como te disse, pena que o texto já acabou, dá vontade de ler mais!!!
Du, mas tem uma coisa que São Paulo é igualzinha a Franca: os juízes costumam tomar uma pinguinha antes de entrar em campo.
Aquele bandeira que anulou o penalti que o Diego Cavalieri pegou, que daria a classificação ao Palmeiras, tomou uma garrafa inteira de 51!!!

Thiago Fagnani disse...

Intrigante, seco, realista, fiel!
Esse foi o texto de um cara lindo, inteligente, profundo (ui), engraçado e etc...
parabéns meu grande amigo!

Biel Macedo disse...

Eduardo, cara, a cada dia te admiro mais, você e sua escrita impressionante, vc e suas críticas ferrenhas envoltas de leves camadas de algodão!
A diferença entre sp e fra esta explicita nesse seu comentario!
e termino como vc, com uma diferença, nao estou em franca!
sou de franca, estou em sp, e nao estou com saudade de sp!
a experiencia de morar com vc esta sendo UNICA E EXCEPICIONAL!
um beijo

Anônimo disse...

Franca ou Claraval???

Carlos Eduardo disse...

Maravilha de texto. Esse Seu Pedro é folgadão huahauhaua... Quando vc me convidar pra Franca vou querer umas fichas tb... Aquele abraço, caipira!

RDS disse...

Cara, dá pra sentir o ar de outro lugar durante a leitura. Muito bom, o texto ta suave e fala bastante, acho que mais do que tratar das cidades, estamos tratando de pessoas e formas de ser e agir. Tudo começa e termina no ser humano, não importando de onde parta.
Sem as cidades viveríamos no mato ou no caos (maior ainda), mas sem as pessoas não teríamos ne cidade, nem caos e nem ordem.
Abraço Franca